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A construção do sujeito em Caxias e Balaiada de Cid Teixeira de D’Abreu.
O presente trabalho é produto do projeto de iniciação científica1 do Grupo de Pesquisaintitulado “Práticas discursivas e semióticas: a produção de sentidos emdiferentes tipos de textos”financiado pela BIC/UEMA.. Orientação: Prof. Mestre Antonio Luís Alencar Miranda.

Introdução

Tendo como característica comum a escritura variada e em rima, o cordel passou a fazer parte da cultura popular nordestina. Em terras brasileiras o contar das histórias significou uma expressão diferenciada das tradições européias. Cabe mencionar que no fim do século XIX ganharam mais visibilidade ao agregar à expressividade da xilogravura, uma expressão gráfica de capa que vai ao encontro da história que a obra popular desenvolve. Para o diálogo cabem as palavras de Santos, quando circunscreve que: “O folheto constitui assim uma nova via de aprendizagem da realidade: a apreensão dos novos problemas sociais, políticos ou técnicos, torna-se possível por uma linguagem poética e uma estrutura narrativa conhecidas” (1996 p.73);
Pesquisa financiada - BIC/UEMA.

Na mesma medida, o presente estudo segue compreendendo a literatura de Cordel enquanto linguagem-reflexo de um exercício intelectual projetado por condições materiais porque reproduzem os valores, crenças, linguagem que verbalizada singulariza diálogos, contudo muito mais do que uma identidade lingüístico-cultural que nos apresenta a relação sujeito-sociedade, o Cordel ao traduzir e redimensionar o social engendra instâncias ideológico-discursivas; porque está assegurado em sua constituição pela imagens de sujeito e discurso.
As análises descritas neste artigo são de dois cordéis de Cid Teixeira D’Abreu, e passam por compreender que, assim como todo texto, o folheto de cordel sobrevive entre o imaginário e o real a fabricar sentidos que aciona um referencial de linguagem em permanente reconstrução, o trabalho nos possibilita de sobremaneira enfocar que, a existência dos enunciados aponta, a condição pela qual o sujeito é assujeitado e mediatiza inconscientemente pela linguagem a relação com o ideológico, razão pela qual o folheto de cordel perfila entre negações e afirmações sua ligação com outras práticas sociais articulando uma rede de discursos, espaço onde se pode encontra sujeitos e sentidos.
Portanto, o dispositivo teórico de análise é a enunciação, assim analisar o discurso na Literatura de Cordel é buscar resgatar a configuração das condições de produção da informação que se estrutura neste bem cultural nordestino, em que se constituiu a Literatura de Cordel, desde as primeiras produções e publicações, no século XIX, descrevendo a inter-relação que estabelece os folhetos com outros dizeres, a fim de reconhecer não apenas os aspectos temáticos dos textos, mas, sobretudo que imagem de sujeitos se instaura.

O que se pretende é compreender, nas vozes, um espaço onde seja possível ler também a memória do sujeito, construindo um vínculo entre passado e presente, inscritos na oralidade, em Pêcheux, a enunciação é um “gênero ideológico”, que permite a sustentação da discursividade da linguagem e prescreve a existência do que chamou de forma-sujeito. Certo de tal cabe indagar: Qual a memória discursivo-ideológicas do sujeito que se apresenta no folheto de cordel? Que marcas discursivas mediatizam a construção deslocada desse sujeito?

Pressupostos Teóricos.

O percurso do sujeito.
Compreender os processos discursivos, os diálogos que formam e transforma a sociedade, este tem sido o principal propósito da Analise do Discurso francesa (AD), desde que surgiu no final da década de 60 na França. Neste ponto é importante ainda ressaltar que, o mais relevante dentro dos estudos da (AD) é abordagem da Língua enquanto um sistema de relações pré-disposto a inscrever sujeitos. Razão pela qual a (AD) francesa constitui um trajeto de pesquisa singular quando articula a contato do lingüístico com o histórico, assegurando para os estudos da linguagem um caráter que lhe é exterior quando agrega à teoria o fator ideologia.

Mussalim & Bentes (2004), trazendo no bojo de seus comentários as formulações de Pêcheux, pontuam que:

A primeira época da Analise do Discurso (doravante AD - 1) explora a analise de discursos mais “estabilizados”, no sentido de serem pouco polêmicos, por permitirem uma menor carga polissêmica, isto é uma menor abertura para a variação do sentido devido a um maior silenciamento do outro (outro discurso/outro sujeito). (p.177)

Nessa fase é possível compreender que as representações do sujeito acatam instituição de um eu dotado de uma centralidade. Tais considerações permitem desaguar no pensamento de Descartes que em Discurso do Método examina e funda um lugar para tratar este sujeito que, estabiliza suas produções à medida que passa pelo crivo da consciência de si, tomado pelo o que chamou de cogito. Poder-se-ia dessa forma afirmar que, é este mesmo sujeito que a primeira fase da AD valida, mais claramente como ser que adota uma única postura (assujeitado a determinada ideologia) diante de suas práticas e as concebe como idéias verdadeiras e transparentes.

Em suma, pode-se validar neste primeiro momento o pensamento benvenistiano, que permite a existência desse eu em interação com o tu, de outra forma em Benveniste há uma inscrição explicita sobre subjetividade, e nos domínios de seu interesse nomeia que, a língua mediatiza imagens do sujeito e de seu pensar. Sendo assim o sujeito ao enunciar diz sua posição e simultaneamente constrói imagens sobre para quem diz (alocutório), ambos são elementos formadores da enunciação, porém o eu é central e unidade.

Em vista disso, que a Análise do Discurso francesa abre-se numa busca para captar o movimento do sujeito, que na segunda fase da AD é marcado por outra condição; a daquele constituído por uma tensão, onde explicitamente o tu domina o dizer do eu. Nesse caso o sujeito passa a representar diferentes lugares, abrem-se os estudos para o deslocamento do sujeito, e para afirmar que, seu enunciado já está previsto pelo lugar social que ocupa. As possibilidades teóricas da Análise do Discurso francesa, a partir de então assumem pontualmente uma responsabilidade em construir pela linguagem outro lugar de subjetividade.

Neste caso, a terceira fase articula uma crítica direta a Benveniste, no tocante tem-se os estudos de Bakhtin (1929) que, na percepção do dialogismo reitera que os discursos conversam com outros textos e constitui-se de ditos plurais. Assim é possível afirmar que o sujeito proporciona a projeção de uma dinâmica que o liga a uma subjetividade heterogênea, porque este mesmo è o outro ao aliar-se a diferentes discursos histórico-ideológicos.

Sob esta perspectiva, o trabalho por meio dos conceitos teóricos da Análise do Discurso de linha francesa, que tem como base entre outros estudos as considerações de Michel Pêcheux e Foucault, Althusser (Materialismo Histórico) e Lacan (Psicanálise), busca descrever a relação que existe entre sujeito, linguagem e mundo.

Isso significa que o estudo concebe a linguagem como um ato sistemático, construído a partir de uma subjetividade ideologizada, estruturado em Pêcheux como forma-sujeito. Diretriz esta que tenciona pensar a textualidade do cordel como um fenômeno constituído por sujeitos históricos, ideológicos e psíquicos que comunicam sentidos sócio-histórico e dialógico; assim o que se tem como objeto é o processo de significação da forma-sujeito e do discurso da Literatura de Cordel.

Na mesma medida, pensar o plano discursivo que constitui a Literatura de Cordel requer esclarecer continuamente como se apresenta o sujeito na linguagem; Nesse aspecto, o projeto da Análise do Discurso é influenciado diretamente pelos estudos lacanianos que transplanta para a análise Lingüística um corpo de discussão capaz de entender a relação entre linguagem e inconsciente.

Mussalim (2004), articulando pensamento de Lacan, ressalta que a linguagem passa a ser o lugar onde o outro toma parte, onde é possível articular a falta, a incompletude, o sujeito não desenvolve um controle absoluto do sentido, razão pela qual deve ser pensado dentro das reflexões da Psicanálise, que o define como constituído pelo inconsciente, lugar onde o outro fala, portanto o sujeito em Lacan não decide sobre o sentido, não diz o que quer, na verdade está envolvido por uma superestrutura que não é gerada pelo sujeito falante.

A abordagem discursiva do sujeito prima dessa forma pela existência de uma subjetividade inconsciente, evocada por uma releitura da perspectiva freudiana determina que o sujeito lacaniano é mobilizado a dizer, ou seja, na linguagem-discurso o enunciador é influenciado pela sua condição social e histórica a congregar visões de mundo nessa relação Lacan reitera: “a linguagem é condição do inconsciente” (apud MUSSALIM & BENTES, 2004 p. 106).

Portanto as análises apontadas neste estudo validarão que, as condições de produção do discurso, projetam um sujeito descentrado: o que pensa, e enuncia emana do seu avesso - “o outro” definido pela realidade que o constitui, um percurso tomado pela terceira fase da AD francesa. Cumpre lembrar que trata ainda de estudar as heterogeneidades, os campos intra e interdiscursivos como pontos onde o discurso ativa memórias histórico-ideológicas.

Portanto o a idéia que se incorpora de sujeito é considerar que, o que diz não é invenção própria, mas reprodução de uma “verdade” conhecida, representando inconscientemente um discurso reflexo condicionado pelo exterior dotado de múltiplos estímulos ideológicos, a ponto de transfigurá-lo em sujeito ao reproduzir posições no discurso como cita Mussalim “... a identidade do sujeito lhe é garantida pelo lugar do Outro, ou seja, por um sistema parental simbólico que determina a posição do sujeito desde a sua aparição”. (2001, p.108).

Interessa-nos aqui esclarecer que, de forma sucinta a escrita do Cordel expõe as relações entre sujeito e história, abordagem converge para definir que é possível determinar as condições de produção dessa forma-sujeito, bem como do discurso enquanto lugar de memória sócio-histórica.

Nessa perspectiva o que se quer é compreender qual a posição dos sujeitos na relação discursiva; em outras palavras especificar as imagens que este sujeito mediatiza e no jogo das palavras forma um corpo discursivo que, ao harmonizar uma unidade de significação estabelece a materialidade histórica de sujeitos, bem como seus deslocamentos, dentro das possibilidades do folheto de Cordel; Cordel – 3 Caxias e Cordel – 2 A Balaiada; de Cid Teixeira de D’Abreu.

Identificação dos textos

As impressões dos dados tiveram como fonte os folhetos de Cid Teixeira de Abreu como Caxias Cordel – 3, uma escrita organizada em 103 (cento e três) estrofes marcada exclusivamente pelas sextilhas e o Cordel – 2 denominado A Balaiada onde há o registro em (72 setenta e duas) estrofes e o mesmo fenômeno de métrica em sextilha, ambos confirmam o aspecto da “criatividade à narrativa, à história contada” Santos (1996 p. 62), fato que segundo a autora citada, singularizam-nas enquanto produção cordelista folhetinesca.

As narrativas apresentam-se com rimas comuns nos 2º, 4º e 6º versos que combinando uma marcação típica do gênero poético popular, para efeito de classificação temática os Folhetos são de informação (notícias e acontecidos) definição considerada a partir dos estudos de Roberto Benjamin – 1970 (apud Santos 1996 p. 134).

Análises

As análises permitem observar que, a leitura dos sentidos no cordel maranhense conjectura uma estrutura discursiva com inúmeras possibilidades de constituição de sujeitos enunciadores. Assim saber como se desenvolve a construção desses lugares enquanto vozes de uma informação, passa por compreender que também constituem representações de identidades discursivas histórico-ideológicas, que se relacionam com outros dizeres, um espaço onde é possível compreender essas relações sincrônica de sentidos, resgatando qual é a imagem do interlocutor que se realiza, quais os mecanismos que materializam o texto e o fazem interagir, alguns destes aspectos podem ser observado no trecho que se segue:

1ª A Balaiada
Se queres saber leitor
De uma história contada
Que me contaram também
Pois não foi ela inventada
E muitos tempos passados
Da famosa BALAIADA
2ª A Balaiada
Não existe muito acordo
Em toda história bem sei
Mas o tempo nunca volta
Daquilo que eu apurei
Mas vou ser muito sincero
Nem nunca diz voltarei

Ao sublinhar mundos o cordel transforma-se num fazer verbal gerenciador de ideologias razão pela qual enquanto discurso é o lugar onde o outro toma parte da informação, portanto é preciso reconhecer que o sujeito embora disposto a relatar a completude dos fatos, relembra o sentido outro discordante.

Nesse ponto desloca-se para criar uma identidade discursiva fundada na singularidade de um eu discursivo, pondo-se no centro da articulação, o esforço de fazer-se cúmplice divide assim o espaço com uma suposta condição de livre dizer. Cabe apontar ainda que refletir sobre o sujeito da linguagem é esta aberto para o registro de um sujeito imerso na história a fazer significar diferentes planos sociais. Na estrofes supra citadas, há marcadamente um “eu” poético disposto a traduzir com suas palavras o que disse o outro, o gesto transforma-o em porta voz e tece uma aceitação, como se o que se enunciasse representasse um gesto de escolha individual.

Na verdade traz consigo a inconsciência de quem exprime sentidos ideológicos os quais não tem controle porque o formam enquanto sujeito, evidencia-se a constituição imaginária de um sujeito dotado de personalidade a manifestar o desejo de imperar sobre o dito como um referencial, o inevitável é pensar que etá condicionado à insubordinação do outro que virá sob o efeito de diálogos.
1ª A Balaiada
Todos cantam sua terra
Também vou cantar a minha
Mas com versos diferentes
Que na memória se aninha
Resgatando sua história
Sem disso ser ladainha
98ª Caxias
A data não nos importa
Deixe isso para lá
A verdade verdadeira
que no coração está
“Minha terra tem palmeira
Onde canta o sabiá”

Passa-se a validar o discurso como instância que forma-se da relação com outros discursos, monemento em que as noções de sentidos se estabelecem, de modo que o sujeito do discurso concretiza uma apresentação que proporciona um significado maior e para tanto realiza a parafrástica de “Minha Terra” Casimiro de Abreu e “Todos cantam sua Terra” João do Vale; embora evidencia-se a constituição imaginária de um sujeito dotado de personalidade a manifestar o desejo de imperar sobre o dito como um referencial.
Contudo a relação entre sujeito e interdiscurso se concretiza à medida que se transcreve um diálogo entre os estilos poéticos de Abreu e Vale e a poética popular do cordel; define-se simultaneamente o descentramento do sujeito que num trabalho com a memória instaura o que Pêcheux denomina de Esquecimento Ideológico ao projetar idéias pré-concebidas sob o caráter da singularidade, o que se constrói é um espaço de diálogo com a outros dizeres poéticos, produzindo um sujeito assujeitado construído um identidade que não postula discurso único.

15ª Caxias
Foi uma dessas Missões
A chamada de Mereu
Transferida para Nazaré
Que alguma coisa se deu
A possível Trizidela
Foi aí que ela nasceu
16ª A Balaiada
O sítio era mui belo
De uma riqueza encantada
Solo pra mandioca
E rio para pescada
E por razões que não sabemos
Ela foi desativada

A negação do sujeito passa pelo claro silenciamento, há na verade a quebra da unidade informativa, o lapso de incerteza é instalado para omitir os vestígios da prática militarista opressora que cercava as missões; e por isso o sujeito que outrora afirmara uma disposição para narrar os fatos aponta para a possibilidade de um não dizer, mais especificamente em Que alguma coisa se deu4 (15ª)/ E por razões que não sabemos6 (16ª), o que se tem é um silenciamento do sujeito.
O discurso por ser uma prática trabalha para validar grupos sociais, o real é poder pelo proferido tornar o discurso produtivo de forma que pontue outro discurso, o que se pretende é continuar na apropriação descontínua do discurso o que implica estar entre avanços e retomadas. Neste caso é válido reconhecer que a inscrição do sujeito realiza-se pela interação oniscinte, o que faz acontecer o desejo de um sujeito que não está intacto, mas tocado por uma falta, para tanto temos:

70ª A Balaiada
Foi assim caro leitor
Que nos livros aprendi
Se a estrada não é reta
Alguma vez me perdi
Mas se tudo não contei
Foi só por que me esqueci
46ª Caxias
Nem todos estão de acordo
Com a data que encontrei
Mas não vou cria polêmica
Pelos caminhos que entrei
A história tem controversias
E quase tudo bem sei.

O sujeito por não ter controle da informação, expõem a fragilidade do discurso ao instaurar incertezas quando enuncia o esquecimento, a motivação pela exterioridade é assegurada em muitos momentos por datações e fontes escritas, o sujeito instaura a negação pondo em evidencia o contraditório, o que cabe consensualmente afirmar que, o sujeito é estruturado por relações ideológicas, e como tal, passa pelo crivo da inconsciência, desse dizer sem saber.

A própria dimensão de esquecimentos e incertezas é patrocinada por coerções ideológicas, na verdade é o outro que é o responsável pelo o que se diz, razão pela qual as informações que traçam o discurso são tomadas pelo desconhecimento. Seguindo a condição de enfocar a ligação sujeito, inconsciente e linguagem, é possivel esclarecer que, o sujeito (enunciador) é levado a uma condição de “mudez” singular, porque só comunica quando se aliena ao outro, a situação ocorre, sobretudo por rupturas como demanda a estrofe a seguir:

24 ª Caxias
Mas ninguém testemunhou1
Do corte “civilizado”2
O Itapecuru sozinho3
Viu seu curso transformado4
Entre os limites dos brancos5
E dos Índios aldeados6

O assujeitamento do discurso volta-se para afirmar que de base o sujeito é construido na/pela alteridade, porque o sentido presente é decerto uma crítica ao modelo colonialista de dominação pela violência, o fato de perceberem-se como referencial de tradições, crenças e valores muito acima daquelas praticados pelas tribos indígenas, contribuiu durante muito tempo para firmar a ideologia colonialista pondo esta como referencial de civilidade.

No entanto, as aspas conectam o sentido a um discurso outro, revelando o caráter irracionalista das ações colonialistas, porque pretende-se enquanto sentido reconstruir o lugar para outras vozes, afim de significar que, as práticas do período colonial evocavam aspectos não tão civilizadas. No cordel A Balaiada; (41ª), tem-se uma extensão e reafirmamento de uma ironia superposta, o que se dissemina nos textos é que estes interdiscutem na trancrição de determinadas idéias, como se vê a seguir:

41ª A Balaiada
Os balaios homens rudes1
Sempre marginalizados2
Chamados de “inferiores”3
Tanto tempo desprezados4
Como assassinos e ladrões5
Eram pois assim chamados6

Desvela-se a idéia de que o convívio social e, portanto as práticas culturais tais como a linguagem, o vestir e as ações como um todo, na verdade eram reguladas pela violência e contestação do valor do outro, o que torna válido no jogo da heterogeneidade que constitui o sujeito o discurso apontar que; tanto no “civilizado” quanto no “inferiores” há a negação do discurso institucional do Estado e portanto da falsa idéia contida no desejo de “humanizar” e tornar “igual” os povos excluídos, revelando um sujeito flagrado em diferentes condições sociais que agora faz aparecer a apartheid ao qual estavam submetido alguns grupos.

O espaço de constituição do sujeito e do discurso antecipa uma rivalidade que tomada sob o enfoque do subjetivismo lacaniano aponta um sujeito multiplicador de sentidos, porque sempre está inconscientemente ligado a posições distintas sustentada pela impossibilidade de inteireza e coerência, o que se inscreve, portanto é a certeza de que toda linguagem é conflito porque comunicar é dar continuidade ao outro numa relação de recuos e diferenciações onde a forma do dizer é o alicerce para entender quais os sujeitos que o discurso memoriza e como os memoriza como pode ser confirmado logo abaixo:

55ª Balaiada
Essa carta concedia
Poderes não limitados
A Luiz Alves de Lima
A outros não outorgados
Quer militar ou civil
Outros poderes juntados
56ª Balaiada
Nomeado presidente
Do rebelde Maranhão
Senhor de todas as armas
Sem nenhuma restrição
Em quatro de fevereiro
Fez uma reclamação

A relação com a memória apresentada pelo sujeito é indutora de diálogos, comporta-se como um circuito aberto para todos os tempos a buscar outros dizeres, a condição existencial do discurso prima assim pela manutenção de um ciclo de relações atrativas a outros sujeitos e outros sentidos.

O que se realiza é o mítico pregado dentro do discurso dos heróis nacionais, Duque de Caxias passa a configurar o homem que tudo podia em nome da paz e do bem estar da nação, é imediata a relação ideológica que a história sustenta e regula no valor atribuído a figura do militar Duque de Caxias a posição regulada é a instauração de uma condição existencial para o sujeito a partir da memória sócio-histórica, na ordem do não dito estabelece-se a figura do agente “pacificador”. desenvolve-se uma a aproximação que permite que os interlocutores passem a pensar as relações entre sujeito e poder intrisecas aos discursos como se concretiza a seguir:

57ª Caxias
O governo português1
Se vendo a se desgastar2
Escolheu o Fidié3
Este grande militar4
Para comandar as tropas5
E a rebeldia acabar6

Dessa forma o trechos supra citados garantem para os interlocutores que os movimentos ( Independência e Balaiada) desenvolviam-se como algo não desejado, porque possuíam um caráter transgressor, porque na ordem das expressões Do rebelde Maranhão (A Balaiada; 56ª) e em E a rebeldia acabar6(Caxias; 57ª) se desenvolve a intenção de desprestigiar os movimentos que contestavam a superestrutura político-admistrativas maranhense.

Nesse momento o sujeito (enunciador) que se instala parte de uma reflexão em consonância com o pensamento reacionário, a ideologia do Estado forte faz transparecer as ramificações político-ideológicas que se firmou em determinado período na história do Maranhão, constrói implicitamente a opressão a que eram submetidos aqueles que estavam à margem do poder reafirma-se o espaço do não-dizer,

Na mesma medida é possível compreender que enunciação impõe lugares a serem pontuados pelo discurso reavivando a ambigüidade oprimido versus opressor, essa vontade de dizer tudo vem ao encontro de discursos distintos, pensar a relação com a verdade é saber instituir dentro do discurso que os deslocamentos do discurso são marca de uma complexa heterogeneidade do sujeito.

Nesse acontecer de ditos, revela-se a dispersão do sujeito, que materializa inconscientemente o entrelaçar passado-presente, o sujeito embora advogue em causa própria realiza-se essencialmente de negação e repetição comentando outros discursos da história, o que permitem a incorporação de diferentes sujeitos que no âmbito dos sentidos permitem a dispersão do discurso.

Considerações Finais

As descrições realizadas no estudo reconsideram os folhetos (A Balaiada e Caxias) de Cid Teixeira de Abreu como um espaço produtor de sujeitos sustentados por uma forma-histórica, que se postula na instancia do inconsciente, porque registra idéias e ideais de diferentes discursos sociais, materializando nas construções sintáticas um sujeito que transfigura em poeta; contador de histórias e historiador.

Nesse percurso o que se evidencia é um deslocamento do sujeito, determinado pelo processo inconsciente de produção dos enunciados, que pela memória ideológica elaboram a heterogeneidade do sujeito e do discurso ambos inscritos na história, para tanto os sujeitos incorporam na construção do todo um projeto de instauração da verdade, todavia o corpus discursivo adota uma abertura para o diálogo pontuado os falares do discurso religioso cristão-católico, bélico em apologia à guerra, patriótico em favor da ordem pública, o mítico dos heróis nacionais, num projeto de instauração de verdade, manifestando o desejo de posse sobre o outro.

Nesse momento, configuram-se também os falares fixados no histórico de resistência dos que estavam a margem do poder; os sujeitos repercutem, não somente a voz do branco “colonizador” na ideologia salvacionista, mas também a voz dos nativos (índio) e dos não nativos como o negro, o que nos remete a formação do sujeito de identidade ideal segundo a Análise do discurso francesa, porque é construído numa relação de recuos e aproximações com outros discursos.

Referencias

FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo, Edições Loyola, 1996.
MUSSALIN, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Org.) Introdução à Lingüística: domínios e fronteiras. v. 2. São Paulo: Cortez, 2004.

MUZART, Idelette; SANTOS, Fonseca dos. Memória das vozes: cantoria, romanceiro e cordel. Salvador, Bahia, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2006.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do Óbvio. Coleção Repertório. Trad. ORLANDI, Eni Pulcinelli (et.al) Campinas, São Paulo: Unicamp, 1988.

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